terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A Inveja, a Sibilla e o Impulso de Destruição

Devo confessar que tenho especial predileção pelas cartas sombrias dos baralhos divinatórios.Não é diferente com o par de Inimigos da Sibilla Italiana. E o conjunto de sentimentos pérfidos que os acompanha: a agressividade, o ódio, a frieza, a falsidade... e especialmente a inveja.

Nos dicionários a inveja geralmente se liga a duas interpretações: o desgosto pela felicidade alheia e o desejo de ter o que o outro possui. Essas duas vertentes trazem algo em comum: a ânsia pela destruição do invejado. Apenas desejar o que o outro tem é cobiçá-lo, e não invejá-lo. Para a cobiça temos o Ladrão, por exemplo, que rouba o que precisa e deixa o proprietário em paz, se não surgir em seu caminho.

E eu só satisfaço minha inveja quando a felicidade da pessoa que eu invejo se acaba. Ganho alguma coisa com isso? Não. Por isso não é um sentimento muito fácil de se assumir. É vergonhoso. Nos faz admitir a nossa falta, as nossas fraquezas. Porque se eu tenho tudo o que considero bom, não preciso ter inveja. O invejoso, portanto, é um fraco. O invejoso é sempre o outro, nunca a gente.

Assim chegamos ao Valete e a Rainha de Espadas da Sibilla Italiana – o Inimigo e a Inimiga – que são os únicos personagens que trazem em suas mãos armas fatais: uma serpente (venenosa, supomos) e um punhal. Seu objetivo é certo: destruir.


E destruir não é um ato dos desastrados e dos cruéis. Nosso impulso pela destruição aparece, por exemplo, lá na infância... quando mordemos nossos brinquedos e os atiramos longe. Depois de crescidinhos aprendemos a disfarçar esse impulso destrutivo. Mas ele está lá. Faz parte de nós.

Qualquer uma das duas cartas apresenta um perigo. A natureza do perigo é que varia de uma carta para a outra. Mas a inveja eu vejo especialmente na Inimiga. Por quê?

O Inimigo, além de ser um Valete (o que faz dele uma “criança” perto da destreza da Rainha, a Inimiga), traz uma serpente. Seu rosto é quase neutro. Não sabemos nem se ele está ali por ter motivos pessoais ou se é apenas um assassino de aluguel que não diferencia suas vítimas. Ele sequer olhará para a sua presa para matá-la... simplesmente deixará a serpente num lugar estratégico e ela fará o seu trabalho. Sua capa é azul, o que nos sugere uma certa racionalidade. Além disso, seu culote é vermelho e azul... paixão e razão se misturam delicadamente. Seu plano, portanto, é meticuloso, bem pensado. Se perceber que não é sua chance de agir, não pensará duas vezes antes de abortar a estratégia e esperar por uma oportunidade melhor.

A Inimiga tem um vestido e uma máscara vermelhos. Até sua máscara é passional. Sua arma, o punhal, exige a proximidade de sua vítima. Fingirá ser uma amiga, uma amante, o que for necessário. Seu rosto é pérfido. Ela se satisfaz ao pensar em seu plano, ao visualizar a destruição de seu rival. Porque o outro não é só uma vítima...  é alguém que a ameaça de maneira profunda, que ameaça sua própria existência. Uma das palavras que define a Inimiga, na legenda, é pettegolezzi. Traduzindo... fofocas. A fofoca também é uma arma de destruição que pode provar-se bombástica.

Um famoso exemplo de invejoso no cinema é Salieri (Amadeus, 1984). Salieri, incapaz de ser genial como Mozart e – ao mesmo tempo – não podendo conviver com tal brilho alheio, dedica sua vida à destruição do compositor. E o faz com tal maestria que Mozart sucumbe sem perceber de onde vem o golpe fatal.

Quando a Inimiga aparece no jogo, damos um pulo na cadeira. A leitura de cartas pode mostrar um futuro brilhante... e mostrar a Mascarada ali no meio. Pois é no momento de sucesso que atraímos a inveja alheia. É nessa hora que provamos a amizade de velhos camaradas. Ser amigo nos momentos de dificuldade é fácil... ajudar o próximo necessitado nos traz uma certa superioridade moral reconfortante. Mas o sucesso alheia nos lembra do nosso próprio fracasso. Ter amigos de sucesso e estar feliz por eles... eis aqui uma rara virtude.

E por isso a Inimiga pode estar representando também o próprio consulente na leitura. Sim, todos nós temos um pouco dela! Sabe aquela vontade de esmagar o outro? “Quem ele pensa que é? Não se enxerga?” Nossa curiosidade mórbida pelos tablóides... a atriz bonita que envelheceu, a rainha da bateria que se estatelou no chão durante o desfile da escola de samba, o empresário de sucesso que perdeu tudo, o político de carreira meteórica que foi preso por corrupção.


Antes de apontar para azinimiga do consulente, tente entender a situação como um todo. Veja se há motivos para despertar inveja ao redor ou se há motivos para que ele sinta inveja. Porque é muito fácil e confortável dizer para ele que “tem muita inveja na sua vida, meu filho”. Sim, todos temos inveja na nossa vida e às vezes as cartas estão alertando mesmo para uma pessoa perigosa – e próxima – que quer destruí-lo. Mas essa afirmação automática, que tira a responsabilidade dele e ao mesmo tempo o lisonjeia, pode ser um desserviço. 

3 comentários:

  1. Estas cartas se encontram no Naipe de Espadas. Creio que tenha sido um erro de digitação.

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    1. Opa! Faço isso o tempo todo! Obrigada pelo toque, Andréa.

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