Uma mulher à beira do mar olha para a imensidão azul com certo pesar. Ninguém morreu: uma pessoa amada foi embora e está distante. Ela suspira por ele, com o peito apertado de tanta saudade. Uma rosa está caída ao chão, vulnerável a qualquer pisada descuidada. Apesar da saudade, ela acalenta uma esperança: o retorno de seu amado. Não sabemos a quanto tempo ela está ali: ele pode ter acabado de partir. Alguns anos podem ter se passado, e ela vai lá todos os dias esperar por ele. Como uma viúva que espera que o seu marido ressucite. Suas roupas são negras como as de uma viúva, mas - ao contrário dela - a moça dessa carta tem desejo e esperança.
Em outros baralhos ciganos, como Zigeunerkarten, o nome da carta equivalente é Desejo. Um desejo que queima e não pode ser realizado, ao menos imediatamente. Um desejo que pode se tornar Frustração.
Desejo (Zigeunerkarten) |
Se ela espera, assim como o arcano Belvedere, qual a diferença entre as cartas? Como já exploramos anteriormente, Sospiri diz respeito ao passado, e Belvedere olha para o futuro. E quais as consequências dessa mudança de perspectiva com formas parecidas? Belvedere volta-se para o que está por nascer, para as possibilidades reais, uma vez que seu pensamento pode criar o que quiser, sendo positivo e forte. Sospiri debruça-se sobre o que já morreu. Só ela não se deu conta ainda. Até mesmo sua roupa é de luto (será que ela percebeu que está enlutada?). Suas energias estão concentradas em algo que não pode mais dar frutos, um corpo em decomposição que precisa ser enterrado para não espalhar doenças. O Vedovo sabe que o tempo acabou, e guarda a memória do passado com reverência e limites: o passado está devidamente enterrado diante dele. O ritual de passagem foi feito.
Sospiri não sabe o que fazer. Nesse momento, estamos aguardando notícias do avião da Malaysian Airlines que desapareceu com centenas de passageiros. Os familiares não sabem o que esperar. Não sabem se devem considerar seus queridos mortos ou não. Ainda que os anos corram, sem um corpo para chorar e sem notícias do paradeiro dos desaparecidos, a esperança de revê-los nunca se esvai, e a ferida nunca é tratada. Quem tem parentes e amigos desaparecidos sabe que a dor não passa, que é muito confuso declarar a morte do que não se conhece.
Mas essa carta não se refere apenas a pessoas desaparecidas. Muitas vezes lamentamos em cima de algo que se foi, mas não aceitamos a sua partida. Um amor antigo, fortuna perdida, uma era de ouro que ficou no passado. São pessoas que vivem como se aquilo não tivesse chegado ao fim, e dessa forma vivem num limbo temporal que pode acabar em loucura e confusão mental (note que é uma carta de Espadas). E quando se dão conta de que aquilo passou, não sabem o que fazer: como uma pessoa que dormiu por 10 anos e acordou agora, com as referências de mundo que tinha antes de dormir. E ela pode acabar optando pelo seu mundo de fantasias doentias do passado, pois torna-se incapaz de viver o Agora.
O que você devia ter enterrado e não enterrou? Somos ensinados a iniciar coisas, mas não a abandoná-las no tempo certo. No entanto, saber encerrar ciclos é essencial para a nossa saúde mental, espiritual e até física.
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