sexta-feira, 3 de abril de 2015

Quem tem medo da Desgraça?

Disgrazia é um nome tão forte que é até difícil traduzir sem arrepios. Esse 7 de Espadas, uma das cartas mais terríveis da Sibilla, impõe até mais medo do que a Morte, um pouco suavizada pelos tarólogos ao longos dos séculos.


O fogo queimando, se alastrando, o desespero que brota quando não se vê saída. O horror! E pode acontecer com qualquer um. Não depende de bom comportamento, confiança em Deus, caridade. O Edifício Joelma, incendiado em 1974, causa comoção até os dias de hoje. O incidente da boate Kiss, em 2013, também parou o país. Tememos com todas as forças tal sorte, rezamos pelas almas que pereceram.


A morte pelo fogo nos apavora como se fosse a expiação pelos pecados mais macabros, talvez por termos queimado tantos "hereges" em praça pública por séculos. E quando acontece com quem "não merece" tal castigo, nos perguntamos sobre a Justiça Divina, a maldade desse mundo e tantas outras coisas. Ainda não sabemos como reagir diante do fogo. Mas é possível diminuirmos nossa tensão diante de tal imagem? É possível aceitá-la, de certa forma?


Destruição?
Embora não tenha aparente afinidade ou conhecimento aprofundado da mitologia hindu, ela me aparece nos momentos mais inusitados. Em sonhos, em meditações, quando peço orientação e proteção... não é uma fada celta e ruiva que me ajuda, não é a sabedoria sombria de Hécate ou Odin que me socorre. É um Krishna azul que surge gigante num sonho, é Durga que se oferece para proteger os amados que estão longe. 

Em uma meditação guiada (que passou a guiar-se por si mesma), vi a terrível deusa Kali, cheia de braços e com sua língua debochada que delicia-se com o nosso pavor sair de uma caverna escura. Então ela começou a dançar freneticamente em meio a uma paisagem verdejante, suave e açucarada como o Paraíso cristão. Em poucos segundos, pegou a paisagem com as mãos e a descartou, substituindo-a por um deserto amarelo e seco. E, como se não bastasse, incendiou-o todo. Agora a deusa ria e dançava com mais vigor, por estava em casa. 


Kali é conhecida superficialmente como a "Deusa da Destruição". Um ocidental desavisado que a vê pela primeira vez pode chamá-la de "demônio". Mas ela é uma manifestação divina, como a desordem e o caos são divinos e têm o seu papel no universo. A destruição não só é inevitável como necessária (e, por vezes, aliada). Há momentos em que temos que deixar de lutar contra ela e simplesmente encará-la com profundo respeito.


Em meio ao fogo-cruzado
Vejo que minhas maiores conquistas aconteceram depois das mudanças mais sofridas. Sem as "desgraças", eu ficaria bem onde estava, confortável e feliz. Mas teria realizado muito menos. Não gostaria de passar por algumas situações novamente, é claro. Mas agradeço a cada uma delas, agradeço o papel fundamental que tiveram na minha vida. 


Numa cultura que só aceita o Bem e o Mal Absolutos, como lidar com a destruição que permeia nossa existência como algo inerente a ela, e não uma "bala perdida" que nos atinge em meio a luta do Bem contra o Mal? Como acalmar um consulente que, mesmo sem entender a linguagem do Sibilla, sentirá desconforto diante dessa imagem? 

Não dá pra esperar que o outro entenda o poder da transformação que há em Disgrazia se nós queremos sair correndo quando ela pula do baralho. Não dá pra se desculpar, embaralhar tudo de novo e fingir que a carta não existe. Então, concentre-se nas lições que essa situação trará, nas formas de sair dela e na força necessária para enfrentá-la. O consulente agradece. 

Lembre-se, como exercício de tolerância à Disgrazia, das lutas que enfrentou até agora, das dificuldades que pareciam insuperáveis e foram suportadas. Como saiu delas? Como elas te transformaram?

Se a sua vida tivesse sido sempre uma paisagem verdejante, suave e açucarada, onde você estaria hoje? 








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