As cartas de divinação estão no Brasil há muito
tempo. Como objeto de estudo, como meio de vida e nas mãos de ciganos. Até
poucos anos, por debaixo dos panos.
Hoje
temos excelentes tarólogos trabalhando, dando palestrar e cursos, exportando
livros e métodos. Mas temos especial carinho pelas cartas de conversação, não é?
Elas são democráticas, estão nas mãos da cigana da praça, da vizinha que lê a
sorte, do pai-de-santo. Aparecem na forma de cartas comuns de naipes franceses
ou na forma de baralho cigano (nosso Petit
Lenormand que, apesar do nome francês, surgiu entre os alemães). Falam
conosco pela intuição, pelo estudo e até pelos orixás. Enfim, proliferaram no
Brasil. Não sei se é nossa inclinação ao diálogo de pé de ouvido, à fofoca, aos
sopros do mundo espiritual. Não sei se é por sua aparente simplicidade. Não sei
se é por sua aproximação da vida real e palpável, por ser uma cartomancia com
os pés no chão e ao mesmo tempo encantada.
Sei é
que as cartas de conversação tornaram-se a voz de nossos deuses, de nossas
pombagiras, de nossas ciganas. Sei que acalentaram os corações das moças, aliviaram
os corações das mães e instigaram a desconfiança das esposas. Nossa
cartomancia, tão feminina, tem o cheiro da sopa borbulhando na panela de ferro,
tem o barulho das cigarras, tem o sotaque dos pretos velhos. Nossa cartomancia
é tão aconchegante!
E
eis que atraca em nossos portos um baralho com 52 cartas, cheio de cenários e personagens. Como um
filme. Pessoas que choram e dançam, que estão atarefadas entre os filhos e
negócios, que suspiram de saudade e de ansiedade, que espreitam o rival na
esquina e até tentam botar fim à própria vida. Não parece uma telenovela? Era
quase impossível que não caísse no gosto dos nossos cartomantes, que logo
passaram a decodificar as cartas com as poucas informações disponíveis. Alguns
enfrentaram os livros e sites em italiano. E outros começaram a jogar com a
cara, a coragem e a intuição. E a Sibilla funcionou para todos! Montando
cenários como numa história em quadrinhos, desenrolando dramas diante de nossos
olhos.
Ainda
assim, falta-nos uma base teórica mais completa. Podemos estudar o período em
que as cartas surgiram na Itália – fim do século XIX. A sociedade italiana de
então, seus costumes, seu modo de ver o mundo. Mas com o nosso sotaque
brasileiro, nossos inhos carinhosos.
O que nos ajuda a transformar o baralho é justamente a pouca informação, em boa parte oral, que
não atravessa facilmente o oceano.
Não,
nossa intenção não é clonar a Sibilla
Italiana aqui. É imigrá-la e internalizá-la aos poucos, abrasileirando-a. É
um processo inevitável. E não há nada de errado nisso. Com tantos profissionais
brasileiros de valor, com uma forte tradição cartomântica respeitada no mundo
todo, certamente desenvolveremos leituras muito particulares com o passar do
tempo. Preencheremos as lacunas com nossas impressões, medos, anseios, nossos
achismos e certezas. E as cartas funcionarão! E aí a Sibilla Italiana será uma outra Sibila. Mas tão rica, tão bonita,
tão certeira e cheia de ziriguidum!
Adaptado de Samba no Canavial (Heitor dos Prazeres, 1965) |
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